2019 é um ano de novidades para o liketour. Além, do já conhecido liketour cast, teremos novos conteúdos, com mais dicas e histórias de viagens para você. Uma delas é a série de entrevistas no formato escrito, batizada de Round Trips*, onde conversamos com pessoas criadoras de sites, empresário e escritores de livros sobre turismo.
Ricardo Lugris, é gaúcho de Bagé, mora na França e tem cidadania espanhola. Apaixonado por motos e viagens, desde adolescente viaja pelo Brasil e mundo afora. Muitas viagens foram compartilhadas em artigos na Duas Rodas. Em 2015 fez uma viagem de 35 mil Km entre França e Singapura. Viagem essa que rendeu o livro “Tempo em equilíbrio” e fez com que muitos leitores tivessem a sensação de acompanhá-lo em sua moto.
LT: Nos conte um pouco sobre você, seus projetos pessoais e profissionais e quando e como, começou seu interesse por motos e viagens?
Ricardo: Desde muito cedo, no interior do RS, onde cresci, tive interesse em viagens. Com a idade de 14, 15 anos, comecei a viajar de carona, com uma mochila e em uma pequena barraca. Percorria, nas férias escolares, uma boa parte da América Latina. Filho de espanhóis, sonhava com a possibilidade de poder viajar pela Europa, terra de meus antepassados. Canalizei minha vida profissional para a atuação internacional em vendas e marketing. Fui executivo de vendas da Embraer durante mais de 30 anos e hoje ainda atuo na área internacional de compra e venda de aeronaves comerciais. A paixão pela viagem ainda permanece presente e a motocicleta, para mim, é o veículo perfeito.
LT: Quantas viagens de moto você já fez, qual foi a mais marcante e quais você planeja fazer?
Ricardo: É difícil dizer quantas viagens eu já fiz de motocicleta, pois nunca as contei. Tenho realizado uma média de 4 ou 5 viagens por ano, ao longo dos últimos 30 anos, o que dá um número considerável de km de motocicleta.
A viagem mais interessante sempre é a viagem que estamos preparando. Obviamente, a viagem de 6 meses que realizei em 2015, entre Paris e Singapura, objeto de meu livro foi a mais marcante mas, gosto de lembrar de uma viagem que fiz entre a França e o Uzbequistão, pela Rota da Seda, (matéria publicada na seção aventura da revista Duas Rodas) em 2008.
LT: Quais as vantagens e desvantagens, alegrias e perrengues, de se viajar sobre duas rodas?
Ricardo: Quando você viaja em duas rodas, você está exposto as intempéries e também ao contato direto com as pessoas ao longo da sua jornada. Na moto você não pode fechar o vidro e se isolar. O contato com os locais é inevitável e isso torna a viagem muito mais prazerosa.
Obviamente o frio e a chuva contribuem para dificultar um pouco o seu dia-a-dia, mas nada substitui o prazer de poder sentir perfumes e cheiros ao longo da viagem, assim como a brisa e o vento no seu rosto. A sensação de liberdade, ainda que tão repetida, é um fato. Ela é presente e verdadeira.
LT: Como surgiu a ideia e porque você decidiu fazer o trajeto da França a Singapura? Você cogitou fazer um outro trajeto?
Ricardo: Essa viagem surgiu quando eu decidi deixar a empresa para a qual trabalhei durante 32 anos. Eu precisava de um tempo para mim e, aos 57 anos de idade, depois de ter trabalhado por quase 40 anos, achei que merecia oferecer-me um tempo sabático onde eu poderia viajar sem uma data exata de retorno.
A viagem foi inicialmente programada para um ano. Felizmente, ou infelizmente, fui contratado pela empresa onde trabalho hoje, apenas alguns dias depois de deixar a Embraer. Esse novo empregador, ofereceu-me um contrato interessante e 6 meses de tempo para poder realizar uma longa viagem.
Olhando no mapa, o lugar mais distante de Paris, onde vivo, para ir por terra é Singapura. Simples, decidi ir até lá.
LT: Como foi o planejamento da viagem e quanto tempo de preparação?
Ricardo: Enquanto negociava minha saída da Empresa, planejava e organizava minha viagem de moto.
Vacinas, vistos, ferramentas, mapas, material, roupas, preparação da moto, organização pessoal, exames médicos, exercícios, organização de compromissos pessoais, etc. Tudo isso fez parte de minha rotina com a intenção de apenas terminada a minha negociação de saída da Embraer, eu pegaria a estrada.
A contratação pela nova empresa atrasou minha viagem em 15 dias, mas pode viajar tranquilo sabendo que teria emprego assegurado ao final da viagem.
LT: Quais foram as dificuldades em fazer uma viagem tão longa sozinho, em relação a manutenção da moto, por exemplo?
Ricardo: As viagens não deve ser medidas pela distância percorrida e sim, por sua intensidade. É muito fácil percorrer muitos kms em estradas desertas e tranquilas. O que para mim é o mais importante, é a gestão do tempo e a possibilidade de viver intensamente o momento da viagem.
Minha grande preocupação ao partir não era relacionada com as distâncias ou o exotismo e dificuldades a serem encontradas nos países que deveria percorrer e sim, o tempo que eu deveria preencher pela primeira vez em minha vida. Estava viajando por 6 meses. Será que os dias não se tornaram muito longos? Saberia eu viver apenas com minha própria companhia? Seria capaz de criar uma rotina para esses milhares de km e dezenas de fronteiras?
Quanto a manutenção da moto, programei revisões na Sibéria, na Coreia do Sul e na Malásia, assim como trocas de pneus na Rússia, Japão e na Tailândia.
LT: De todas as cidades por quais você passou, qual lugar mais te surpreendeu e um que mais te decepcionou?
Ricardo: O mundo está repleto de lugares extraordinários e cabe a você poder identificá-los. Não há lugar ruim, o que há é o medíocre observador. Todo viajante tende a comparar os lugares que visita com as suas próprias referências, rejeitando, muitas vezes o que não lhe é familiar.
Fiquei apaixonado pelo silêncio e pelos espaços do deserto de Gobi na Mongólia. Adorei poder nadar nas águas frias e límpidas do Lago Baikal na Sibéria e fiquei particularmente impressionado com a modernidade da Malásia e as belezas do Laos.
Algumas cidades no extremo oriente da Rússia não foram muito agradáveis e não deixaram muitas saudades.
LT: Quando você chegava nas cidades e dizia que era brasileiro, como era a receptividade das pessoas locais?
Ricardo: Na verdade, tenho 3 nacionalidades. Além de Brasileiro, sou também Espanhol e Francês, o que me facilita muito o trânsito por países mais complicados sem ter que emitir vistos muitas vezes.
Como meu coração é brasileiro, apresento-me sempre como tal e, como sabemos os brasileiros são normalmente bem recebidos em qualquer lugar.
Tive uma queda no deserto de Gobi e precisei esperar pela passagem de um carro no setor e ter a devida ajuda para erguer a moto dentro de um areal.
No Gobi não há estradas e sim, pistas. Após umas 4 horas de espera, um carro avistou-me, desviou de seu caminho e 4 ocupantes ajudaram a colocar a pesada BMW em pé.
Um deles, com feições orientais, era de São Paulo, brasileiro como eu, de origem japonesa. O mundo é pequeno!
LT: O livro Tempo em Equilíbrio, como você teve a ideia de escrevê-lo. Foi antes, durante ou depois da viagem?
Ricardo: Eu sempre gostei de escrever e compartir minhas viagens com outras pessoas com a ideia de poder dividir sonhos e incentivar outros motociclistas a fazer o mesmo.
Publiquei mais de uma dezena de artigos na Revista Duas Rodas e em sites especializados em motociclismo de viagem.
Há muito tempo as pessoas vinham me dizendo que eu deveria publicar um livro, mas eu resistia baseado em uma grande medida de autocrítica. Acredito que publicar um livro é uma grande responsabilidade e eu não me sentia ainda preparado para isso.
Tempo Em Equilíbrio surgiu a partir de posts que publiquei ao longo da viagem e que foram formando um bloco de reflexões e observações ao longo desse tempo onde eu pude viver um longo momento presente.
Quando voltei, o livro estava 80% pronto.
LT: Com foi e tem sido a receptividade do livro? Você recebe feedback dos leitores? E o que eles te dizem?
Ricardo: O livro, considerando-se que o brasileiro não gosta de ler nada que tenha mais do que algumas páginas, tem tido uma excelente receptividade. A primeira edição está praticamente esgotada, mas alguns exemplares ainda podem ser encontrados no site da Livraria Cultura.
Para mim, a maior recompensa por ter publicado esse livro é justamente o feedback do leitor e uma recorrente frase:
“Obrigado, Ricardo, você me fez viajar contigo”.