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Round Trips

Round Trips: Capítulo 14 – Guia em Praga

Por: liketour | 24/06/2020

2020 continuamos com excelentes conteúdos no liketour. Além, do já conhecido liketour cast, teremos novos conteúdos, com mais dicas e histórias de viagens para você.  Uma delas é a série de entrevistas no formato escrito, batizada de Round Trips*, onde conversamos com pessoas criadoras de sites, empresário e escritores de livros sobre turismo.

Irena Melounová, é guia turística para estrangeiros principalmente na cidade de Praga e na República Tcheca, mostrando e apresentando os lugares mais interessantes da cultura local. Já viveu no Brasil, estudou em São Paulo e trabalhou em Brasília.  Além da República Tcheca acompanhou muitos turistas em outros países da Europa Central e é criadora do site Guia em Praga Irena. Trabalha também como intérprete para empresários que viajam a região por causa dos seus negócios. 

 

Irena Melounová: A guia em Praga

 

LT: Você é tcheca e morou no Brasil, conte-nos como foi o período em que esteve no Brasil, por quais razões morou aqui e que lugares conheceu do nosso país?

Irena: A minha primeira viagem ao Brasil foi a trabalho. Uma empresa tcheca estava precisando de um intérprete em Brasília urgentemente e como eu pude viajar quase de um dia para outro, fui. A experiência foi muito marcante, a cidade de Brasília em si já é bem diferente de cidades europeias ou americanas, que conheço. Me encantaram os moradores, todos com raízes em outro canto do Brasil, mas com orgulho de viver na capital. Imagina, eu acostumada a caminhar todo canto a pé em Praga e agora caminhando pelo eixo monumental com o calor do novembro. Dois anos mais tarde, ganhei uma bolsa da minha faculdade em Praga para o intercâmbio para estudar na FGV em São Paulo, na área de administração de empresas. A escola é excelente e os professores tolerava aos gringos que faltassem um pouco nas aulas devido ao conhecimento do Brasil. Pulei meu primeiro Carnaval no Recife e Olinda. Páscoa passei em Minas Gerais. Viajei por Pernambuco, Rio Grande do Norte, passei o São João em Campina Grande e em Caruaru, fui a Chapada Diamantina, Ilha de Boipeba, Salvador, fomos ao Pantanal, levei minha mãe e tia a Foz de Iguaçu, fiquei uns dias em Niterói, claro, fui várias vezes ao Rio de Janeiro. E na última viagem ficamos cinco semanas em Manaus. Tem muito mais lugares que visitei, nem dá contar tudo. Uma das belas surpresas foi a costa litoral do São Paulo, pois lugares como Paúba e Ilhabela são muito lindos. Nem falo da famosa Paraty. 

 

Irena na Torre de TV de Brasilia:  ela já morou no Brasil e visitou muitas cidades…

 

…como o Rio de Janeiro…

 

…e com “Jesus” no carnaval de Olinda.

 

LT: A cidade de Praga, assim como muitas outras do Leste Europeu, assistiu um grande crescimento do turismo e estruturando essa indústria também. Na sua visão a que se deve esse crescimento?

Irena: É bem verdade. Trabalho como guia credenciada, como uma freelance, desde 2004. E o número dos turistas aumentou muito nos últimos 15 anos. Eu que trabalho mais com turistas dos países lusófonos reparava que a cada ano a demanda pelos meus serviços vinha crescendo. Apesar de que no ano passado já alguns turistas comentavam a situação difícil por causa do câmbio. Focando nos turistas brasileiros, acho que muitos ficaram mais entusiasmados para vir a Europa Central e Leste Europeu, souberam de amigos que já tinham ido com alguma agência ou como aventureiros sozinhos ou viram mesmo nas redes sociais que havia guias que os podiam receber em português e que eles tinham como fazer a viagem sozinhos, independentes, somente com amigos ou com a família. Os meus clientes me indicam aos amigos e até me “forçaram” criar conta no Instagram para me marcarem e assim informar sobre meus serviços. Imagina. Outro fator importante acho que é o fato de que os turistas descobriram que se podem virar em inglês, pois a fama é que aqui ninguém fala inglês. Não é bem verdade, mas realmente, os tchecos são fechados e tem medo de falar inglês, apesar de que aprenderam inglês na escola. A região aqui estava bem barata para os brasileiros depois da crise financeira, então vinham também por causa de serviços baratos e a fama se espalhou. E também muitos ficaram bem surpreendidos. Iam a Berlim e Viena e no caminho paravam em Praga, não esperavam nada e se encantavam. A vantagem de Praga é – o que nós costumamos dizer como outros vizinhos nossos – que está no coração de Europa. Daí a nossa capital pode ser incluída em vários roteiros, você tem Berlim, Viena, Munique, Cracóvia, Budapeste, numa distância de São Paulo – Rio de Janeiro ou menor. Para brasileiros as distâncias aqui são menores do que para nós. 

 

Irena com grupo de turistas em frente a escultura do escritor Franz Kafka.

 

LT: Praga é considerada uma das cidades mais bonitas do mundo, mas quais outras cidades da República Tcheca os turistas têm interesse em visitar? 

Irena: Além de Praga temos 13 lugares na lista do patrimônio da UNESCO. Como a República Tcheca é quase do tamanho de Paraíba, tudo é perto, e você pode fazer bate-volta num dia ou no caminho para outra capital europeia você visita tranquilo estas joias como Cesky Krumlov, Kutná Hora ou Telč. Tem uma cidade onde todos ficam encantados pela beleza da natureza e da arquitetura que é Karlovy Vary, que talvez seja incluída nesta lista da UNESCO ano que vem. E não podemos esquecer duas outras atrações que muitos turistas procuram: visita a cervejaria Pilsner Urquell onde em 1842 foi preparada a primeira cerveja tipo pilsen no mundo e visitas a fábricas do famoso cristal da Boémia. 

LT: No convívio com os turistas brasileiros, e em geral, o que você mais aprende com eles e também qual a maior curiosidade desses turistas em relação a República Tcheca? 

 Irena: Sempre me impressiono como os brasileiros são amigáveis e abertos. Nós, tchecos, somos pessoas mais fechadas. Você já vê isso à primeira vista: brasileiro te conhece dando beijinhos, tchecos literalmente esticam a mão, dão a mão à distância. E como os turistas brasileiros são abertos e estão de férias, têm tempo e muita curiosidade, ficamos falando como é a vida aqui e como vivem as pessoas que exercem os cargos parecidos, eu chego a falar com pessoas que nunca encontraria se fizesse outra profissão, neurocirurgiões, reitores de universidades, funcionários de futebol, empresários, jornalistas etc. Através das perguntas deles se abre espaço para comparar a vida no Brasil e aqui. Uma das principais curiosidades que quase sempre vem na conversa é a época do comunismo e a comparação com a vida depois da virada. 

 

Ponte Carlos, um dos principais pontos turísticos de Praga

 

LT: A República Tcheca é o maior consumidor de cerveja do mundo, mas quem leva a fama das melhores cervejas do mundo, é a Alemanha e a Bélgica. Nos conte sobre a qualidade da cerveja tcheca e se são muito procuradas pelos turista que visitam o país. 

Irena: Claro que a nossa cerveja é a melhor do mundo! Já mencionei a visita popular entre os turistas a cervejaria da Pilsner Urquell na cidade Pilsen. O mestre Josef Groll inventou este processo da fermentação chamada “pilsen” nesta cidade (então “pilsen” é nome do lugar do nascimento, Pilsen é mais conhecido nome em alemão da cidade que em tcheco se chama Plzeň). Cada tcheco tem a sua marca predileta, temos umas 500 cervejarias no país, das quais umas 50 são grandes, outras são micro cervejarias ou restaurantes que produzem cerveja para seus clientes. Muitos restaurantes, tabernas e bares tem no cardápio seção “para acompanhar cerveja” ou seja, você não escolhe primeiro a comida e depois bebida, pois fica claro, que você bebe cerveja e a acompanha com algum petisco ou prato principal. Adoramos salsichas e carne de porco, o Eisbein, o joelho do porco, também se come aqui, tem umas opções vegetarianas que são queijos tipo camembert curados no óleo com especiaria ou queijos fritos ou grelhados com batata frita. Recomendo provar também carnes de caça e pato assado.

LT: As fronteiras da República Tcheca se modificaram no século XX, após as guerras mundiais e independência. Você sendo nativa do país, nos fale como é a relação atual entre a República Tcheca e a Eslováquia e como isso impacta de forma positiva e/ou negativa no turismo?  

Irena: Primeiro, uma curiosidade: eu sem mudar de residência permanente (lugar oficial para entrega de cartas oficiais e comunicação com o estado) já vivi em 4 diferentes países: nasci na República Checoslovaca Socialista, vivi um curto período na República Checoslovaca Federativa, que logo mudou para República Tcheco e Eslovaca Federativa e, desde 1993, moro na República Tcheca, agora renomeada faz pouco para Chéquia. Eu ainda aprendi eslovaco na escola, a separação se deu quando eu estava no 4o ano do ensino básico. Assim aprendemos a ler em tcheco e os dois últimos meses, se eu lembro bem, aprendemos e lemos em eslovaco. As línguas são parecidas, a gente se entende, é como português brasileiro e espanhol talvez. A relação ficou próxima, pois dizem que se tivessem feito uma pesquisa, 75% dos habitantes não gostaria, na época, da separação.  Foi um ato dos políticos lutando nos anos 1990 pelo poder e riqueza. Muitas pessoas no estrangeiro ainda lembram melhor da Checoslováquia, da indústria dela, conhecem as marcas de carros, sapatos, armas etc. As relações no nível do estado e dos habitantes considero muito boas, as melhores com os nossos países vizinhos. Para o turista fica fácil, pois os dois estados entraram na União Europeia em 2004, assim fazem parte também do Espaço Schengen. Acho que a República Tcheca, ou mesmo Praga, tem fama maior, e atrai mais turistas estrangeiros, a capital eslovaca para muitos significa no máximo parada entre Viena e Budapeste ou Praga e Viena/Budapeste. A Eslováquia para mim tem mais beleza natural, tem montanhas lindíssimas, para turismo rural é ideal. E tem castelos, tavernas, termas, mas é menos explorada.  

 

Cervejaria em Praga: A Republica Tcheca é o país que mais consume cerveja no mundo.

 

LT: A cidade de Praga é usada para muitas locações para filmes e séries de época. Como essa indústria do cinema ajuda o turismo e a economia da cidade?

Irena: É verdade que a cidade já serviu de cenário para muitos filmes de Hollywood, inclusive Mission Impossible com Tom Cruise, Spider Man com cenas na Ponte Carlos ou Jojo Rabbit com Scarlett Johansson que foi indicada pelo papel ao Oscar (o filme venceu a categoria de melhor Roteiro Adaptado). Somente em 2018, as produções cinematográficas estrangeiras gastaram no país 200 milhões de euros. A capital e outras cidades, por exemplo as mencionadas Kutná Hora (Les Misérables, 2012, Joan D Arc, 1999, Oliver Twist do Roman Polanski, A Knights Tale com Heath Ledger) e sobretudo Karlovy Vary com o agente 007 e Casino Royal no Grand Hotel Pupp, servem muitas vezes para retratar no filme outros lugares, mas os fãs sempre descobrem e querem ver o lugar do filme. Curiosamente, tive já muitos turistas a me perguntarem sobre um restaurante ou bar famoso, com relógios, e eu não conseguia saber onde seria este lugar, e fui procurando e descobri que era o filme The Best Offer no qual o protagonista procura um restaurante chamado Day and Night, mas que não existe na realidade. Somente consigo mostrar o exterior do prédio, que é reconhecível. E recentemente recebi vários pedidos de mostrar lugares conectados com o “carniceiro de Praga” ou seja, com o comandante nazista R. Heydrich. Os filmes sobre ele e sobretudo sobre a morte dele em Praga, e suas consequências para o povo, foram de boa parte filmados nos lugares reais, onde aconteceram e que ainda existem. São sobretudo os filmes The Man with the Iron Heart (O homem com o Coração de Ferro) e Operation Anthropoid (Operação Antropóide). Pessoalmente nunca encontrei um turista que viajasse a Praga somente para conhecer o cenário de algum filme, mas acho que os filmes e séries ajudam muito a economia do país e representam um dos canais pelo qual as pessoas ficam sabendo de beleza Praga e dos arredores. 

 

A cidade recebe todo ano inúmeras produções cinematográficas como Jojo Rabbit..

 

… e a versão de 1998 de Os Miseráveis.

 

LT: Quando viajamos a Praga, parece que viajamos pelo tempo, pois a arquitetura da cidade se mantém (quase) intacta por séculos. Como uma cidade que passou por tantas guerras e revoluções conseguiu manter a arquitetura conservada? E essa preservação é o principal atrativo para os turistas?  

Irena: É muita sorte. E acho que também é consequência do tamanho pequeno do país. Vou explicar: primeiro, a cidade de Praga foi destruída muito pouco em comparação com a Varsóvia, ou Dresden, a 2 horas daqui de trem, na Segunda Guerra Mundial. Foram muitas pessoas que faleceram e muitas mais sofreram as consequências das guerras. O fato que  Praga não foi tão destruída nas grandes guerras do século XX, eu pessoalmente me explico como pura geopolítica: na primeira a gente era ainda membro da monarquia austro-húngara e as lutas ocorreram em outras fronteiras, França e Alemanha, Itália e Áustria, Rússia. Na Segunda Guerra Mundial a antiga Checoslováquia foi dada a Hitler pelos aliados, enganados, pensando que iam garantir a paz. Assim não havia muita luta para ocupar o nosso país e, no final da guerra, houve ataques aéreos de aliados para destruir a indústria tcheca, que trabalhava para a Alemanha nazista, mas não foi tão grave como na própria Alemanha. E temos que lembrar que os americanos e os soviéticos se encontram no nosso território quase no final da guerra na Europa, ou seja, fez 75 anos em maio. Em Praga, as lutas nas barricadas na cidade, terminaram dia 8 de maio de tarde. As lutas foram grandes, mas em comparação com outras cidades, não foram tão destrutivas. 

Os monumentos que parecem antigos são realmente antigos. Aqui, se algo foi destruído, a gente não fez replica. Claro, os monumentos foram renovados, algumas vezes remodelados, ajeitados, mas em princípio, a Ponte Carlos, o Castelo de Praga, a Cidade Velha com o Relógio Astronômico, são originais. E quando você caminha por ruazinhas medievais, muitas vezes você não vê nada moderno. Para aproveitar mais a cidade e esta impressão que você viajou no tempo, tem um aplicativo bacana que se chama despertador. De manhã antes que abrem lojinhas no centro histórico é sossegado e lindo. No Verão amanhece umas 5 horas, aí se pode aproveitar bem. Agora nesta altura da pandemia, a cidade parece que dormiu mesmo e voltou séculos passados, pois até há pouco, as lojas estavam todas fechadas (somente abriram lojas de alimentação), aí saímos para passear no centro e cidade era fantástica, mas dava até medo como estava vazia. 

 

A arquitetura preservada da cidade Praga é o que chama mais atenção dos turistas.

 

LT: Além da República Tcheca, você tem conhecimento como guia em outros países e cidades. Conta como é sua experiência nesses outros países, quais são eles e também qual diferença em ser guia no seu país e em outro país estrangeiro. 

Irena: Eu sou guia licenciada para a República Tcheca, assim as explicações históricas, culturais etc. dos lugares visitados posso fazer somente no meu país. Aos outros países eu acompanho turistas que querem o maior conforto, como guia acompanhante. Falo inglês e alemão, e entendo eslovaco e polonês, parecidos com o tcheco, fica fácil ajudar nos restaurantes, nos hotéis, comunicar com motorista, assegurar que vamos chegar na hora para as visitas aos monumentos para não perder a visita. Facilito a orientação, acompanho, tiro dúvidas, e os turistas não precisam de se preocupar com nada, somente com o conhecimento e admiração. Hoje em dia o que mais faço é tirar fotos dos turistas. Para mim é bem legal, pois ficando sempre em Praga, apesar de que adoro, me cansa. Tem dias que tenho duas ou até três visitas guiadas, imagina quantas vezes já esperei na fila de segurança no Castelo de Praga. Assim descanso de Praga e recupero o entusiasmo. E conheço trabalho dos meus colegas em outras cidades que também é bom para refletir sobre meu próprio trabalho. 

 

Na cidade de Cesky-Krumlov. República Tcheca é muito mais que a somente a cidade de Praga.

 

LT: Quando você está em Praga, não como guia, mas como moradora da cidade, qual lugar você mais gosta de ir? Um lugar que para você representa bem o que é a capital Tcheca. 

Irena: Adoro passear na colina Petřín, é aquela que parece ter a Torre Eiffel em cima, Torre de Petřín. É um parque natural enorme, com lindas vistas, está no centro da cidade e ao mesmo tempo você está longe da muvuca. No outono é cheia de cores das árvores. 

 

 

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